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RIO — Há exatos 100 anos, a seleção brasileira tinha tudo pela frente ao iniciar sua trajetória com vitória por 2 a 0 sobre os ingleses do Exeter City. Na terça-feira, no primeiro dia do seu segundo século, só resta o passado como estímulo e ameaça para o futebol pentacampeão do mundo manter sua hegemonia. Depois de o Brasil sair da Copa humilhado como o anfitrião que cai com a cara no bolo, o chamado à lucidez não resistiu à tendência de negar a realidade.
No momento em que o esporte nacional necessita de uma internação para recuperar a identidade e o prestígio de outrora, a CBF contratou um ex-empresário de jogador, Gilmar Rinaldi, para coordenar a reestruturação, e anunciará a volta do técnico Dunga, símbolo maior do futebol de resultados e da combatividade, dentro e fora do campo.
Enquanto o mundo se pergunta aonde foi parar a alegria e a beleza do futebol brasileiro, os dirigentes preferem exibir a outra face. Ao levantar a taça do tetra, Dunga fez da sua maior glória uma explosão de palavrões e impropérios contra aqueles que supostamente o perseguiam desde a derrota de 1990. Se o revanchismo marcou seu momento de maior alegria, o atual descrédito que cerca a seleção suscita reações tão surpreendentes quanto a virtual escolha da CBF. A julgar pelo fato de a entidade ter anunciado o nome de um gaúcho em quatro das últimas cinco trocas de técnicos, o presidente da federação do Rio Grande Sul, Francisco Noveletto, tem legitimidade para confirmar a volta de Dunga, que comandou a seleção entre 2006 e 2010, com bons resultados até a derrota para a Holanda nas quartas-de-final da Copa da África do Sul.
— Depois que o Dunga acertou para voltar à seleção, sumiu do radar, mas não tenho raiva dele. Até porque, se viesse falar comigo, teria de me contar tudo sobre o retorno — disse Noveletto, ao Lancenet, lembrando que estava intermediando a ida do técnico para a seleção da Venezuela até que o interesse da CBF mudou o rumo da negociação. — É um homem de caráter, correto e ideal para comandar esse processo de reestruturação. Sou opositor ferrenho da atual administração, não fui consultado para nada, mas não poderiam ter escolhido um nome melhor para a seleção.
Depois de antecipar a contratação de Gilmar, a Rádio Joven Pan, de São Paulo, também já dava como certa a assinatura do contrato para a volta de Dunga. Apesar do comando gaúcho à beira do campo, a CBF conserva sua ligação histórica com o Rio de Janeiro apenas por obediência ao estatuto que só permite a retirada da sede da capital fluminense com a anuência dos presidentes das 27 federações. Com a renúncia do ex-presidente Ricardo Teixeira, seu sucessor José Maria Marim manteve a estrutura anterior até o fim da última Copa. A partir de agora, a transição surge como uma declaração de princípios de Marco Polo Del Nero, atual comandante da Federação Paulista e presidente eleito da CBF para mandato que já começou de fato embora o cartola só tenha direito a tomar posse do cargo no ano que vem.
— Não vai levar mais de um ano e meio para as pessoas reconhecerem que o valor do trabalho da última comissão técnica _ disse um integrante da gestão anterior, lamentando a troca de Luis Felipe Scolari por Dunga. — A atual geração do futebol brasileiro não tem um único jogador como protagonista no futebol europeu, nem o Neymar que ainda está se firmando no Barcelona. Como o time que tinha, o Felipão foi muito longe ao levar o Brasil entre os quatro. É bom lembrar que o Dunga nem chegou às semifinais em 2010.
As acusações entre antigos aliados só reforçam a prevalência dos projetos pessoais sobre soluções institucionais. Antes que se estabeleça uma discussão sobre o papel da CBF, para além da negociação de patrocínios e de amistosos para a seleção, a imediata troca de nomes celebra a mudança para manter a máquina em funcionamento. Antes que a rejeição angariada por Dunga, principalmente por conta de sua relação difícil com a imprensa, sirva para condenar sua escolha, é preciso separar as relações pessoais da sua capacidade de trabalho. Desde os tempos de jogador, Dunga foi mais avaliado pelo temperamento do que pelo futebol. Apesar do apetite pelos carrinhos e dividias, era um volante que raramente errava passes e que usava o lado de fora do pé para dar lançamentos, como aquele em que Romário fez um dos gols na vitória sobre Camarões em 1994.
A dificuldade de estabelecer as nuances que formam a personalidade esportiva de Dunga faz o futebol brasileiro sofer de uma certa bipolaridade desde 1982. Embora aquela seleção tenha sucumbido ao maior equilíbrío do ótimo time da Itália, sua eliminação foi interpretada como a vitória da força sobre a técnica. Desde então, a tendência dos técnicos brasileiros a encher o meio-campo de volantes, a começar por Telê Santana, que jogou com Elzo e Alemão em 1986, deu origem a Era Dunga, que já entra no segundo século da história da seleção. Visto como uma antítese da última geração romântica do futebol brasileiro, Dunga se alimentou desse confronto que até hoje prejudica o diálogo entre a organização e o talento.

A BUSCA PELO EQUILÍBRIO

Enquanto os campeões do pragmatismo insistem que a beleza da geração de Zico, Sócrates e Falcão tem a marca da derrota, os românticos preferem perder com classe do que ganhar de qualquer jeito. Muitas vezes, os extremos estão de um lado só. De símbolo da derrota de 1990 a capitão da conquista na Copa seguinte, Dunga foi líder capaz de preservar o gênio de Romário em 1994 e de dar uma cabeçada em Bebeto quatro anos depois. A busca pelo equilíbrio de todo o futebol brasileiro começa pelo seu futuro comandante.
Reação normal depois de um período de extrema excitação, a depressão pode se tornar algo mais grave quando os sintomas se agravam em vez se serem atenuados com o tempo. Passada uma semana do fim da Copa, as decorações e as lembranças ainda vivas fazem o torcedor brasileiro vagar pelas ruas como um zumbi, à espera do próximo revés. Depois da saraivada de gols nos últimos dois jogos, as declarações de Felipão, de que o trabalho fora bem feito.



O GLOBO

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